Estamos agora em plena era da informação instantânea em nível mundial, ao alcance das pontas de nossos dedos. Basta teclar e ela aparece em nossa tela. Mas será que é apenas isto? Informação é algo que procuramos tendo em vista o que já conhecemos sobre algum assunto que desejamos aprofundar. Pode ser uma amizade: conhecimento social. Pode ser sobre um objeto: conhecimento sobre seu histórico, sua produção, o contexto social em que ele foi produzido. Para um objeto no âmbito da Arte, temos o nome de Obra. No contexto histórico temos o nome peça ou objeto histórico. Para um objeto no âmbito tecno-científico acrescentamos o termo dispositivo quando não usamos o seu nome próprio, que já deve estar contextualizado. Complicado? Não: sela. Objeto que se coloca sobre dorso do cavalo com a finalidade de facilitar sua montaria. Um objeto tecnológico ou científico também pode ser histórico pois ele foi produzido em um determinado momento da História.
Na era da informação estamos rodeados de objetos tecnológicos cuja trajetória histórica, em geral, ignoramos completamente. Tudo o que queremos é que ele funcione.
Vamos começar com aqueles objetos que estamos utilizando agora para ler este texto. Eu estou escrevendo em frente a uma tela de LED de 19". Uso o
sistema operacional mais comum da Internet. E um dos dois processadores mais vendidos do mercado. Vamos identificar o DNA tecnológico e científico de todos estes termos citados aqui, implicitamente e explicitamente. Você que está do outro lado pode estar utilizando um sistema semelhante ou então um sistema móvel, um smartphone ou tablet com o sistema Android ou Windows Phone, ou IPhone ou Ipad com sistema iOS.
Como a proposta foi voltar ao passado, vamos levar um personagem da atualidade de volta ao seu passado, aterrisando em sua adolescência. Chegamos. Estamos na metade dos anos 60 e um garoto passa pelas casas do bairro em que ele mora e ouve pelos rádios da vizinhança a música que toca: "I can´t get enough..." e ele gosta, principalmente daquele som estridente de um dos instrumentos da música rápida e diferente. Nas ruas asfaltadas e arborizadas do bairro existem várias casas de padrão médio a maior parte sem garagem. Ele passa por um
Citroen preto cujo motor dianteiro tem tampo no formato asas de gaivota. Um rapaz aparentando 20 anos sempre é visto ajustando aquele carro já velho. Algumas poucas casas tem televisão. Todos os aparelhos eletrônicos são a válvula.
O menino inicia sua adolescência e se muda para um bairro mais distante, onde nem todas ruas são asfaltadas e a arborização apenas começou, só existem mudas de árvores pelas ruas. As pessoas nas ruas se conhecem, um vizinho conhece o outro e conversam quando chegam do trabalho ou estão em feriados ou fins de semana. As esposas e companheiras em sua maioria não trabalham e ficam cuidando da casa e dos filhos. Muitas acabam olhando os filhos dos vizinhos numa informalidade responsável que fazia parte da boa vizinhança.
Nas festas folclóricas de junho (festas juninas: São João, São Pedro e Santo Antonio) as ruas eram enfeitadas pelos moradores da rua (a maior parte sem asfalto) e danças típicas e doces, bolos e assados típicos eram feitos e ofertados por todos numa festa de rua. Havia um misto de influências de várias famílias cujos bisavós ou pais vieram de fora: alemães, italianos, poloneses, espanhóis e portugueses, japoneses e os migrantes que vieram do "norte": baianos, cearenses, nordestinos (pernambucanos, cearenses e estados vizinhos). O novo bairro era uma localidade próxima às recém implantadas fábricas da indústria automobilística e distante dali cerca de 20 km ou menos. As fábricas foram implantadas em um lugar chamado de ABCD paulista (resultados dos nomes das cidades: Santo André, São Bernardo, São Caetano e Diadema). Boa parte dos vizinhos trabalhavam nestas fábricas, sendo transportados diariamente por ônibus destas empresas.
Pelo rádio ouviamos falar do ano de 1968 com os estudantes tomando as ruas de Paris. Dos Estados Unidos ouviamos as músicas que diziam fazer parte do "Power and Flower". Califórnia Dreamin e San Francisco, tocavam dia e noite nos rádios da vizinhança e para todos estas eram as músicas dos Hippies, um tipo de cigano norte-americano. Esta era a visão da população, não havia junção deste fato com a guerra do Vietnã. No Brasil pós 64, havia a ditadura militar, que censurava as notícias e assim não sabiamos nada sobre o movimento nas ruas e da briga entre os estudantes da USP e do Mackenzie na Rua Maria Antonia em São Paulo, também no ano de 1968. As imagens vinham pelas revistas ilustradas mensais: Manchete e Cruzeiro, ao estilo Times ou Paris Match.
A TV começava a tomar conta da midia, e a TV do vizinho mais próximo era o point para ver as novelas das TVs Tupi (hoje SBT) e Globo. Toda novela passou a ter trilha sonora vendida em LPs. No ano de 1968, em meio a várias músicas com cheiro dos anos 50 e 60, lentas e românticas, a música Layla de um tal Derek and Dominos surgiu como um alien, ganhando a curiosidade e simpatia de muitos jovens. A Bossa Nova tinha se estabelecido no país, mas era uma maneira dos universitários e pessoas mais instruídas se posicionarem socialmente. O povo mais simples estava junto aos cantores tradicionais:
Luiz Gonzaga e outros, principalmente do Samba e
da música romântica. Elvis Presley e Nat King Cole tinham aceitação entre os jovens e os adultos. Os jovens optaram pela
Jovem Guarda com Roberto Carlos e outros, e até Jorge Ben Jor entrou neste movimento, apesar de ser visto como um camaleão.
Nos anos 60 os festivais apresentados na televisão
mostraram novos talentos que
abriram novos caminhos
que solidificaram(1969) o que
chamamos de MPB (Música Popular
Brasileira)
englobando todos os
gêneros musicais executados no Brasil. Apesar da gritaria contra estes novos estilos por parte de alguns puristas do meio musical. Os Beatles mostraram sua força, a partir de 1965, e completaram a opção dos jovens. O rock pesado do Led Zeppelin veio com força nos anos 70, mas já era visto como uma corrente a mais na história do iê-iê-iê (nome dado inicialmente ao Rock no Brasil). Por força desta explosão musical nacional e internacional, para os jovens era imprescindível ter uma vitrola para reproduzir melhor (e mais alto) esta musicalidade que estava no ar. Um aparelho de HiFi era muito caro e poucos podiam comprar nos anos 60 e início dos 70. Somente as vitrolinhas portáteis de praia, que também eram relativamente caras, estavam ao alcance dos jovens.
Em SP, uma rua de nome
Santa Ifigênia, no centro da cidade, passou a abrigar lojas que vendiam válvulas para reposição nos aparelhos de rádio e também TV. Nas capitais dos outros estados ocorreu o mesmo. Os fregueses mais frequentes eram os radioamadores (em SP os PY2) que estavam sempre comprando válvulas e outros apetrechos para incrementar ou montar seus transmissores. Eram as pessoas da "internet da época". As
revistas de eletrônica e ajuda que eles criaram na virada do século XX (1900 ou mais) se tornaram
coqueluche nos anos 60 e 70 ao oferecerem projetos de áudio customizados conforme o bolso dos
entusiastas por áudio: os jovens.
E os aparelhos valvulados de áudio, feitos em casa, foram tomando conta da vida dos jovens ( muitos tinham mais de 30 anos...). Nos anos 60 os primeiros aparelhos transistorizados vistos no Brasil vieram do Japão, e já nos anos 70 as lojas da Rua Sta. Ifigênia ofereciam os primeiros transistores e
kits de montagens de
amplificadores de áudio transistorizados.
Os primeiros mainframes estavam chegando ao Brasil.
A USP, nos anos 60, comprou o primeiro IBM/360 por
influência do físico Mário Schenberg (ou Schoenberg). O
músico Arnold é primo de Mário.
No Brasil dos anos 70 comecavam a aparecer pequenas empresas que vendiam aparelhos de processamento de informação. Para o público leigo, era como conversa de radioamador: só eles entendiam aquilo. Para as pessoas que dominavam o inglês, francês ou alemão, e podiam importar revistas técnicas estrangeiras, este novo conhecimento ficava um pouco mais claro.
Cinco ou seis anos após surgirem nos EUA, os microprocessadores começaram a chegar ao Brasil em
aparelhos muito caros como o
Apple I e
principalmente o Apple II. Nos anos 70 muitas empresas ensaiaram o uso destes aparelhos e seus sistemas BASIC (um entre mais de 400 diferentes) para processar dados de estoque, notas fiscais e folhas de pagamento. O normal era fazer este processamento em empresas especializadas que alugavam um mainframe da IBM, da Burroughs ou da Univac.
Elas tinham centros de processamento com programadores e operadores de máquina que recebiam os dados e entregavam o resultado do processamento em listagens de formulário contínuo A3. A linguagem dos mainframes era o COBOL (COmmon Bussiness Oriented Language), o que hoje chamamos de planilha.
Na Sta. Ifigênia, em meados dos anos 70, já era possível ver as primeiras placas dedicadas para montar a grande novidade que eram os "microprocessadores", primeiro nome dado no Brasil ao que chamamos hoje de PC ou computador pessoal. Estas placas vinham com um manual para que você escrevesse o programa que deveria ser rodado na máquina que deveria ser montada e finalizada com terminais em um gabinete conforme o conhecimento do freguês. Poucos compraram estas placas.
Em 1972 o pessoal da Engenharia Elétrica da USP fez o primeiro protótipo de um computador chamado
"Patinho Feio".
Nas empresas, principalmente bancos a partir dos anos 60, o processamento de informação era muito importante, e o meio mais comum de comunicação em negócios era o uso do
Telex, aparelho de comunicação que utilizava uma fita de papel pré-gravada e a fiação telefônica, à semelhança dos modernos (na época)
aparelhos de fax-símile ou fax. Os bancos tinham em suas matrizes, no caso de São Paulo principalmente na
Av. Paulista, setores dedicados ao investimento nas principais bolsas de valores do mundo: Londres, Nova Iorque e Paris, e faziam esta comunicação através de mensagens enviadas via telex, que ficavam ligados 24 horas por dia. Eles eram serviços gratuitos oferecidos a estas empresas que contratavam canais internacionais de voz, que eram regiamente cobrados por minuto de utilização. Nos anos 60, 70 e 80, o Brasil tinha a maior rede bancária do mundo (da ordem de centenas de bancos), em função da inflação e de um sistema de indexação da economia, que gerou um sistema de investimento bancário chamado "Overnight".
Em 1994, com o reajustamento da economia do Brasil pelo plano Real, todo o sistema bancário faliu, e hoje existem no país apenas quatro grandes bancos: Banco do Brasil (BB), Bradesco, Itaú e Santander. Outros bancos, de investimento ou afins, não chegam a dez. No início dos anos 90 os provedores chamados BBS iniciam a internet discada no país, onde a
reserva de mercado para informática dos anos 80 criou uma série de
empresas que não vingaram, pois não investiram no desenvolvimento sério de chips e transistores para suprir a si e ao mercado interno.
Mesmo assim a importação, muitas vezes por meios paralelos permitiu a chegada ao mercado de varejo das
primeiras placas mãe dos
PCs(386), que também vinham sendo importados legalmente pelas universidades e empresas de médio e grande porte.
O mercado livreiro foi inundado a partir dos anos 80 por inúmeras publicações, tanto nacionais( o software brasileiro foi a única coisa que vingou da reserva de mercado em informática no Brasil) como estrangeiras, sobre a programação de microcomputadores.
No caminho da popularização do hardware, os primeiros
clones foram do Apple II (com o sistema CP/M e semelhantes) com as placas de processadores
Z80 (Zilog 80) de 8 bits. A criação do
PC pela IBM, junto aos rápidos desenvolvimentos proporcionados por
Sony, Philips, Seagate e outras empresas permitiu que o
processador 8086 da Intel decolasse em paralelo com a
ARPAnet embrião da internet.
As notícias sobre os desenvolvimentos chaves no mundo da informática em que estamos imersos agora só chegavam ao Brasil por meio de publicações estrangeiras que tinham um custo muito maior que as traduções tardias feitas e publicadas no país.
Assim Bill Gates, Jobs, Wozniak e outros só tiveram suas imagens e histórias construidas perante o público mundial após a consolidação da internet. Vamos agora verificar a história dos softwares e hardwares que nos trouxeram até aqui.